Arrisco iniciar meu texto, retomando a última fala do andróide de Blade Runner. Nela, ele exprime toda sua dor com a morte iminente do conhecimento que adquiriu em seus poucos anos de vida, “momentos que se perderão como lágrimas da chuva”. Ali o que viu, o que sentiu, o que sonhou, o que desejou, tudo desaparece com sua morte. Ao pensar a proposta dessa atividade sobre o ensino de História, Memória e Neoliberalismo, para desenvolver esse texto, me veio à mente toda a “sabedoria” perdida do andróide e a importância que esse dava ao fato. Uma lição ao homem? Sim, Hobsbawn se aprofundou no tema ao mencionar a “destruição do passado”. Interessante casamento proposto pelo neoliberalismo vigente no mundo.
Num cenário desses, o ensino de História surge como alternativa de duas visões/propostas antagônicas. Uma delas (a pior em minha opinião) é manter o status quo. Aceitar o aluno como cliente, se adaptar à lógica do mercado e “passar o ponto” na lousa como se nada tivesse acontecido. Concluindo-se, portanto, que a educação é um bem de consumo. A outra proposta coloca o professor de História na ponta de uma lança que mira o fim dessa “sonolência social”. A contestação ao cenário neoliberal, o “reacender da memória”, o extermínio dessa ideia que se professa de “presente contínuo” (Hobsbawn novamente) são tarefas desse profissional que é sim um “estranho” ao mundo que se configura num processo de individualismo cada vez mais bem orquestrado. Afinal, não podemos esquecer que a educação, para a elite, não é uma necessidade.
Nesse contexto, acredito que cabe a nós, professores de História, percebermos que escolha entre duas vertentes tão opostas será feita. E isso refletirá no ensino e na aprendizagem do aluno. Não sou dado à radicalização de discursos, mas estamos vivenciando uma crise generalizada tão grave que surge no ar a sensação de que não há crise alguma. Essa construção ideológica proposta pelo capitalismo lança a sociedade como refém (e me faz perguntar: será que essa sociedade não quer ser refém disso?). O passado, então, é lançado na sarjeta e o imediatismo, o efêmero, ganham status.
Sua pergunta faz eco: “Diante disso tudo, você ainda quer ser professor?” O cenário sombrio faz refugar aqueles que se veem perdidos entre os antagonismos mostrados nos parágrafos anteriores. Capitular ou propor uma ruptura? Trabalhar numa ruptura? Sim, talvez eu seja ingênuo. Talvez o andróide seja de fato mais humano que o humano, mas creio sim que o neoliberalismo não seja um fardo para se carrregar como se nada estivéssemos carregando. Apontar suas falhas, indicar saídas, destrinchar o “manto sagrado” do capitalismo são tarefas obrigatórias da rotina de um professor que busca o velho e bom “caminho das pedras”. Refletir sobre esse curso mostrou que é possível alterar o processo de “deformidade” social que estamos sentindo na pele.
A verdade em que vivemos não é a única e nem a “verdade”. O ensino de História e seu engajamento numa proposta de projeto social (como coloca Fontana) esta presente como alternativa a essa verdade.
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Meu caro Ale da Costa, nesse apagar das luzes de 2012, recebo com imensa alegria esse texto. Pensar que foi meu aluno e que tenho uma pequena parcela de responsabilidade em sua belíssima reflexão, me deixa com frio na barriga. Mas, é aquele frio que nos move e nos faz sentir vivos. Já não me lembro se trabalhei “Blade Runner” com sua turma, mas, a frase que escolhestes é a que mais me toca. “Momentos que se perderão como lágrimas da chuva”: é assim nossa história? Com sua lembrança pude me sentir como uma lágrima que não se perdeu na chuva, mas encontrou o curso de um rio caudaloso. O rio formado por aqueles que pensam e sentem. Muito obrigado e feliz 2013!!!