No instante em que eu fechei meus olhos, soube tudo. Toda a história brotou no meu cérebro. Tudo, tudinho. O começo. A direção. A conclusão. As palavras se sucediam e cada parágrafo se formava na minha cabeça, cada frase era degustada. Eu sabia qual o tempo, qual o ponto da virada, sabia das mortes, sabia da solidão que aquela moça pequena de olhos grandes viveria, entendia perfeitamente porque o antagonista jamais seria o protagonista. Via os cenários, via os figurinos, sabia tudo de suas cores, sons e cheiros.
Aquela história que nasceu como mágica no instante em que meus olhos fecharam (se eu acreditasse em magia ou coisa que valha) teria quatro atos. Em cada um deles, o homem seria criança, seria homem, seria velho, seria nada. Esse homem (e eu o conhecia tão bem, tão por inteiro e fazia apenas segundos que ele invadira minha mente) não queria mais nada. A cada final de ato, a cada final de capítulo, ele procuraria uma saída. Eu já sabia como resolver cada um dos seus dilemas. Eu poderia ver como a sua vida se desenrolaria e como essa afetaria e seria afetada por um mundo de melancolia que nascia e morria a todo instante.
Havia um filho desse homem e se houvesse luz nessas palavras todas estariam voltadas para o garotinho que não viveria mais do que dez anos. Mas sempre que o moleque aparecesse na história, o homem saberia que tudo teria valido a pena.
Eu já via, então, o romance pronto, delineado, com capa dura e desenho pintado na aquarela, desenho que nada significaria para os outros, mas que faria sentido sim não importa para quem. Sentia em meu delírio o sucesso das vendas, dos editores me querendo, dos cineastas me querendo, do Jô Soares me querendo. Meu best-seller. Via as edições traduzidas para o russo, francês, tupi. As longas e excitantes viagens de promoção. Perguntas inteligentes de repórteres que haviam lido de fato o livro e não o resumo. No instante em que eu fechei meus olhos, soube como seria o futuro
Mas… abri os olhos, o despertador marcava quatro da manhã e nada havia restado de lembrança daquela história que mudaria o mundo.
Nada.