Atividade escolar · Crônica

Além das palavras jogadas no papel

Leio nos jornais e não entendo nada. Poderia procurar respostas em revistas, livros, discos, internet, mas não. Eu não entendo nada mesmo. Vejo apenas que o Brasil (ou Brazil?) de Cazuza não mostrou sua cara. Os mendigos de Drummond mudam de viadutos como mudam de casa. O circo de Portinari é triste, sem o vermelho, o azul e o amarelo. E o Pink? Os namorados de Almeida choram quietinhos para não acordar o mundo. Eu tento entender…

Quero dizer que não há o que compreender nesse mundo. Não sou pessimista. Há tempos tirei a pedra do meio do caminho e busquei cores  quentes na paisagem fria. Mesmo assim, folheio tudo o que me chega e nada encontro. Sou eu o problema, então?

Vácuo. Silêncio. Queremos agora escutar o que aquele homem lê em voz alta. Ele diz que o mundo divide-se em dois: de um lado, aqueles que querem mudar. De outro, aqueles que já viram (leram) tudo, desistiram e não encontram motivos para continuar. Assunto difícil. O capataz de Portinari queria mudar? Os trabalhadores do cafezal não encontram mais motivos para continuar?

E pelas estradas silenciosas de Almeida…

Que ela venha ao menos num domingo de sol!

Comodidade, tecnologia, desenvolvimento. Socorro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Tudo muito fácil. Na mão. Sem conhecimento, esforço e prazer.

Pessoas felizes, cheias de esperança, na triste alegria de viver nesse mundo.

Aí lembro da pedra no meio do caminho (como esquecê-la?)

Assobio sem pretensão alguma: “Me diz, me diz, como ser feliz em outro lugar?”

O mundo não me deixa entendê-lo. Tento, de novo. Será que o problema está na forma como eu leio? Estou lendo errado? Acho que não. B + A = BA. P + E = PE. Estou lendo certo, as sílabas se formam, se juntam e tentam dizer alguma coisa naquele pedaço de papel. Será uma armadilha do mundo não compreendê-lo? Pode ser. Não há como contestar o que não se entende.

Ah, agora entendi. Leio, releio. A tarefa parece difícil e é. Procuro outros olhos para vislumbrar o que a maioria dos brasileiros não vê. Queremos ser primeiro mundo, mas o menino da favela nunca leu um livro. O operário também não. O empresário? O que falar daquele político? Pra ele, literatura é auto-ajuda. Nada mais. Sim, compreendo agora a tristeza (disfarçada de alegria?) nas carinhas das crianças de Portinari. Crianças brincando sem o vermelho, azul e o amarelo. O branco? E o pink?

EXPLICAÇÃO: Projeto promovido pela Nestlé nos anos de 2004 e 2005. Eu coordenei os trabalhos com as turmas do nono ano no Externato São Judas na ocasião. No caso desse texto, partíamos a produção dele da leitura de obras de Portinari, Drummond, Guilherme de Almeida, Cazuza. Interessante perceber, mesmo quase dez anos depois, como o texto é atual… Dureza viver nesse Brasil, dureza…

Contos

Dez segundos que fazem toda diferença… ou não!

E você acha que eu me importo?

Não mais

Com nada, com ninguém, comigo

Então

Atira, atira

Bem aqui ó,

Bem aqui no “meio dos olhos”

Atira, vagabundo

Nunca sentido algum houve em qualquer coisa

Atira, por favor, atira

Tão cansado…

Soou como uma oração tão verdadeira que os anjos do céu baixaram suas cabeças de vergonha por causa do nada que haviam feito antes para cuidar daquele pobre miserável que seria filho de deus se esse existisse…

O homem do revólver nunca entendeu como a vida funcionava

Segurava sua ferramenta de trabalho como sempre

No entanto, dessa vez, desafiado por um fracassado, um perdedor…

Desafiado por aquilo que não era…

Nesse instante, o homem do revólver recuou, tremeu, relutou fazer aquilo que tão bem fazia

Então

O homem do revólver encarou os fundos dos olhos de sua presa

E o que viu? O que viu?

Atira

ATIRA

ATIRA, filho da puta

Nos fundos daqueles olhos

Nenhum brilho, alma nenhuma

Vazio somente

Se procurasse mais fundo ainda,

O homem do revólver ouviria o grito de milhões de demônios clamando pelo fim, mas ele só foi até o vazio e isso já era mais do que suficiente.

O arrepio de morte perpassa todo o corpo do homem do revólver

Ele tem como alvo, como um trabalho, como algo a ser feito alguém que já está morto

Morto, mas vivo

Um vivo quebrado, despedaçado…

Um zumbi… pensa o predador…

Como matar o que já está morto?

Dilema dilema dilema

Atira, covarde, atira

O homem do revólver ama seu velho 38. Por que uma automática? Uma bala, apenas uma. Meu velho e bom 38. Uma apenas é suficiente …

Atira, dessa vez, foi como suspiro lento, longo, profundo…

Silêncio

Um disparo

Sangue e pólvora, pólvora e sangue…

Vida que segue e assim é porque tem que ser e ponto final.