Beijei Maria
Como sempre fazia
Antes do galo cantar o novo dia
Era noite mesmo, noite escura
Beatriz dormia
Abraçada com a tartaruga de pelúcia
Luca e Léo, na cama de baixo,
No outro canto do barraco,
Se espreguiçavam, cansados, sem ânimo
Droga, mais um dia na escola
“Ah, pai, só dois minutos”
Eu deixava, claro, tudo bem
Beijava os moleques, beijava a menina
Beijo na testa
Rotina divina
Leo me puxou pelo braço, meio desperto
“Pai, tive um sonho ruim”
“Se preocupa não, menino”
Virou de lado
Deixou o sono chegar e foi..
Fui também…
Os pingos da chuva prometida tamborilavam no telhado
Não era forte… ainda
Gorro na cabeça, frio, vento
São 4h33… pego o trem das cinco
Fecho a porta do barraco,
Dessa vez foi diferente
Olho para eles
Eles, aquilo que tudo importa, dormem,
Viajam por reinos distantes
Maria, Bia, Leo e Luca estão em paz
Eu corro, corro porque correr é preciso
Às sete na fábrica, no outro lado da cidade
Aperto o passo
Chuva aperta o passo
Desço o morro em tempo recorde
Chuva cai com força, raiva, ódio, som e fúria
Ódio da gente. Por quê?
O peito apertou uma dor diferente
Olho pra trás uma última vez
Lá em cima, tudo escuro, noite ainda escura, vida escura, o barraco