Durante o século XIX, teorias das mais diversas foram elaboradas com o intuito de estabelecer a supremacia da “raça” branca. O principal alvo, claro, os negros, foram apontados como inferiores, incapazes. O médico Nina Rodrigues, voz com credibilidade em seu meio social, defendia tais ideias. A eugenia justificava a escravidão e uma brutal diferenciação social. O neocolonialismo e o pretenso desejo de levar a civilização – inventada, ditada e moldada pelos europeus – a todos os cantos do mundo se amparavam nesses conceitos. Bom, mas aí surge a turma do morro, muitos sem estudo, muitos sem perspectiva alguma de futuro. E o que fazem? O trecho de Nelson Cavaquinho selecionado para esta prova – “quando piso em folhas secas, caídas de uma mangueira, lembro da minha escola e os poetas da minha estação primeira. Não sei quantas vezes subi o morro cantando” – aponta e invalida as teorias de Nina Rodrigues e tantos outros. “Quando piso em folhas secas…”, construção belíssima de tempo, é uma criação de um ser inferior? Não fiquemos apenas na música. A ginga negra no futebol brasileiro é sua marca registrada. Haveria pentacampeonato mundial sem negros na seleção? Seriam os negros uma “raça” degenerada? Evidente que os discursos racistas do século XIX serviram à uma classe social, a um discurso dominante. Discursos esses que não se sustentam aos primeiros acordes de um cavaquinho em qualquer morro carioca, por exemplo. A valorização da cultura (s) negra e o consequente processo que levará ao homem/mulher a ter consciência de que sim ele possui dignidade perpassa pela derrubada de mitos e preconceitos em uma sociedade como a nossa que prega o tal do “racismo cordial”. Cartola, Guinga, Nelson Cavaquinho, tantos, tantos que nunca souberam o que defendia Nina Rodrigues. No entanto, foram eles, os primeiros a provar que o médico que defendia a inferioridade de uma “raça” não tinha argumentos contra o talento e a poesia.