Todo mundo lembra onde estava quando o homem desceu na lua. O mesmo serve para o 11 de setembro. A morte de Senna também. São exemplos de fatos marcantes que extrapolaram seu universo, seu nicho, e transbordaram para a vida cotidiana das ditas pessoas normais. Eu, você, ele, enfim. Pra muita gente é difícil perceber, por causa da falta de distanciamento temporal, o fato histórico se desenhando na sua frente. Realmente, não é simples entender que aquilo que conhecíamos não é mais aquilo que, bom, conhecíamos. Tragédias, mudanças sem aviso prévio, tiram o seu chão. Para os que amam futebol, o 8 de julho de 2014 ganhou sua aura de inesquecível num padrão do nível da queda do Muro de Berlim (sim, parece exagero, mas não é não). Não? Vou dar uma dica (ou duas): o 7 a 1? Gol da Alemanha? Pois é, o futebol brasileiro tem seu Waterloo. Você lembra o que sentiu naquela tarde?
Tenho que confessar que muitas vezes torço contra a seleção brasileira. Foi assim em 2010 na Copa do Dunga. Tem sido agora também. Vibrei contra os times de Zagallo, Parreira e até Luxemburgo. Rancoroso, sei bem. Sou, entre outras coisas, uma viúva do time de 1982, aquele do meio campo formado por Falcão, Sócrates e Zico. Putz grila, você tem noção do que foi aquela equipe? Se tem, então, entende como me sinto em relação aos escretes canarinhos que vieram depois. A comparação é cruel. Agora, sempre tive simpatia por Luiz Felipe Scolari. Tive a chance de entrevistá-lo duas vezes antes da Copa de 2002, a Copa do Penta. Fiz perguntas complicadas e ele não virou os olhos nenhuma vez e ainda fez graça quando respondia. Pouco passional eu, torci por Scolari no Mundial do Japão e da Coreia. O título veio e o tempo passou. Então, chegou a Copa do Mundo do Brasil em 2014.
Scolari substituiu Mano Menezes (que eu gostava), quando finalmente o time do treinador demitido engrenava. Aliás, a saída de Mano pegou todo mundo de surpresa. Agora, a seleção de 2014 estaria sob comando de Felipão e, nas sombras, Carlos Alberto Parreira. Por mais carinho que tivesse por Scolari, difícil engolir as pataquadas de Parreira. Aí, a Copa começou. Neymar era o único talento de um grupo nada mais do que esforçado. Claro, todo mundo que quisesse ver essa verdade, viria. Mas a pachecada entrou naquele esquema do ame-o ou deixe-o (que enche pacas o saco)… eu deixei a seleção de novo. Mas gosto (amo?) futebol e fui ver tudo da Copa do Mundo.
Via Messi se desdobrando pra levar a Argentina nas costas. O Chile vencendo um dos grupos da morte. Itália e Inglaterra dando novos vexames. A Espanha, até aí a campeã do mundo, numa participação frustrante. E tinha o time do Felipão, a duras penas, passando pela Croácia (lembra do apito amigo do japonês), empatando com o México, derrotando um ultrapassado Camarões. Na sequência, dois clássicos sul-americanos. A quase eliminação contra o Chile e depois (talvez único bom jogo do Brasil) a vitória sobre a Colômbia, que trouxe na bagagem o fim do Mundial para Neymar depois da entrada dura de Zuniga. Nada de especial, na verdade. A choradeira dos boleiros amarelos na hora do hino chamou mais a atenção do que boas partidas de fato. Que venham as semifinais.
O Brasil, suando por demais, ao lado de Holanda, Argentina e Alemanha – que havia apresentado um melhor conjunto mas sofreu como nunca nas mãos da Argélia nas oitavas-de-final. Não esqueça também que os alemães acabaram virando o segundo time de todo mundo tamanha a simpatia que exalaram em terras tropicais.
Sem Neymar, a seleção enfrentaria o melhor time do Mundial de olho na final. Felipão surpreendeu todo mundo escalando o franzino Bernard para encarar os gigantes germânicos. Seleção brasileira, sim senhor, jogando pra frente. Não posso dizer que fiquei triste com esse arrojo do nada do treinador tupiniquim. Mas, e nesse história sempre tem um mas, o problema é que o Brasil não tinha time para encarar ninguém, não tinha meio campo, a defesa era uma festa e o coitado do Fred, bom, era só um coitado lá na frente. Deficiências claras e evidentes apresentadas há tempos.
O jogo começa e não podemos dizer que os dez primeiros minutos foram ruins. Foram não. As coisas até que caminhavam bem para os comandados de Felipão. Bernard, outro coitado, parecia uma criança no meio do jogo de adultos, porém o Brasil encarava a Alemanha. Então, aos 11, um escanteio e a casa caiu. É importante lembrar que Muller apareceu sozinho na área. Só deu um totozinho e rede. Ninguém para marcá-lo. Ok, meninos, então vamos acordar e continuar a peleja. Como disse, eram só meninos, nada mais do que isso. Não havia um líder em campo, nem fora dele. Quando o 23º minuto aportou no relógio, a seleção amarela desandou de vez. Levou quatro gols em pouco mais de 300 segundos. E o resto virou história.
Eu estava chocado vendo tudo aquilo. Uma sensação maluca de não estar vendo aquilo. Não era real. Porque ali dentro do campo ninguém de amarelo corria ou fazia algo ou quebrava alguém ou ia pra porrada e nada acontecia além de gol da Alemanha, gol da Alemanha, gol da Alemanha. Pesadelo para quem assistia ou um certo torpor ou as duas coisas. Mesmo sendo da torcida do contra, jamais imaginara que algo assim pudesse acontecer com o outrora melhor futebol do mundo. Eu sabia há algumas décadas que o Brasil não era mais o dono da cocada. Era só mais um. Mas dói quando aquele seu amor mais antigo é maltratado, humilhado, pisado. Eu ria de nervoso, não era real. Gol da Alemanha. O primeiro tempo acabou, 5 a 0 pra eles.
Devo ter ido tomar café, meu vício mais querido. Voltei pro meu canto do sofá. O intervalo passou letárgico. As imagens dos torcedores incrédulos, muita gente indo embora do estádio (o que não acho certo porque se é pra torcer, torce até o final e ponto). De verdade, já imaginava coisas piores do tipo vira 5 acaba dez. Claramente, no entanto, quando os alemães voltaram ao jogo, o fizeram num ritmo mais lento. Não fariam mais nada para nos humilhar. Não avisaram pro tal do Schurle que ainda marcou mais dois gols. Vexame escrito e nem o gol do Oscar aliviou muita coisa. 7 a 1. Não chorei nem nada. Atônito e com a garganta seca e um pouco envergonhado. Maior goleada já sofrida na história da seleção brasileira. Acho que só isso já basta como epitáfio. A maior humilhação já sofrida pelo time brasileiro em seus 100 anos de história. Nada havia sido pior do que aquilo.
O juiz apitou o fim do jogo e senti que poderia acordar a qualquer momento com aquela sensação de que havia tido um sonho muito ruim. Quando acordasse, tudo seria melhor. Pois é, amiguinho, foi não. Como um crítico do status quo da sociedade humana acreditei (ingênuo coitado) que a vergonhosa derrota serviria como o marco zero de uma nova realidade. Aqueles que faziam mal para o nosso futebol (um bem cultural, sim senhor) seriam limados da face da terra, gente séria assumiria o comando e hoje, um ano depois, estaríamos ainda lambendo as feridas, mas com uma perspectiva diferente.
Claro, nada disso aconteceu. Mandaram o Felipão pra China e trouxeram de volta o Dunga. A Copa América que acabou no último sábado foi a prova de que não aprendemos nada com os 7 a 1. A arrogância, incompetência, cegueira global seguem mais fortes do que nunca. E me levam a uma leve sensação de que precisaremos de outras humilhações, como não se classificar para uma Copa do Mundo, por exemplo, o que nunca esteve tão próximo como agora… Mas relaxa, meu pai dizia que eu era pessimista. Devo estar exagerando (o que de fato estou sendo é sarcástico). Sei não, sei não, a luz que aparece no fim do túnel é um belíssimo de um trem sem freio vindo em nossa direção. Que pena.